Caso Kiss: engenheiro e sobreviventes depõem no segundo dia do júri

Três sobreviventes e um engenheiro, que elaborou projeto de isolamento acústico da boate, participaram do segundo dia de depoimentos no júri do Caso Kiss. A sessão foi suspensa às 14h30min, para 40 minutos de almoço, retornando às 15h10min para oitiva do engenheiro Miguel Ângelo Teixeira Pedroso, testemunha de acusação. A partir das 21h quem começou a ser ouvido o sobrevivente Lucas Cauduro Peranzoni, que era DJ da Kiss na noite da tragédia.

O depoimento de Emanuel de Almeida Pastl começou por volta das 9h45 da manhã. Ele comemorava o aniversário com o irmão gêmeo e amigos na boate Kiss. De acordo com o jovem, onde ele e o grupo de amigos estavam, não visualizavam o palco nem da pista.

Segundo Pastl, a boate estava cheia, inclusive, amigos deles até foram embora da festa, por causa da quantidade de pessoas. Quando viram a fumaça do incêndio subindo, ele, o irmão e os amigos começaram a correr. A fumaça e a temperatura aumentaram rapidamente. “As pessoas entraram em pânico”, afirmou.

Na correria, ele e o irmão se perderam, seguindo por lados diferentes, mas os dois conseguiram deixar a boate. Como sequela, Emanuel ficou com bronquiolite. Ao lembrar do ocorrido, Emanuel disse que, quando o incêndio começou, não soou alarme e também não havia luzes indicativas para a rota de saída de emergência.

Quando saiu, ele disse que não viu movimentação significativa na frente da boate, inclusive de bombeiros. Chegou a pedir ajuda para pessoas que passavam, mas não foi atendido. Só quando uma viatura da Brigada Militar se aproximou que Emanuel foi levado ao Hospital de Caridade. Logo em seguida começaram a chegar muitas vítimas. Uma das amigas que estavam com ele na festa acabou falecendo.

Emanuel foi transferido para o Hospital da Ulbra, em Canoas, por 10 dias. Ele contou à Promotora de Justiça que acabou conhecendo a sua esposa no hospital, uma vez que ela era quem fazia os seus curativos.

Jovem relata perda do irmão

O depoimento de Jéssica Montardo Rosado começou ainda pela manhã, mas se estendeu até parte da tarde e durou 4h30. Ela o irmão, Vinícius, estavam entre amigos na boate. Ao contrário dela, o jovem não conseguiu se salvar.

A jovem contou que foi para a frente do palco assistir o show da Gurizada Fandangueira. Ela disse que viu a hora em que o artefato foi acionado e o fogo começou. Houve uma faísca, os músicos pegaram os extintores, tentaram apagar o fogo com a garrafas de água, mas sem sucesso. Até que Marcelo colocou o microfone no chão e disse: “sai”.

Ela não lembra detalhes do percurso. Quando saiu, olhou para trás. “Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ligou para a família, preocupada com o irmão. Lembrou que, no desespero, tentou retornar à Kiss várias vezes para tentar encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou Jéssica, bastante emocionada.

Vinícius, que tinha 26 anos, não resistiu e faleceu no hospital. O jovem ajudou a salvar outras vítimas (cerca de 15 pessoas, estima a irmã). “O meu irmão era a melhor coisa que eu tinha na minha vida”. Ela descreveu a personalidade do irmão: “Vinícius sempre foi solidário. A gente já tinha ajudado a apagar um incêndio na cidade em que morávamos”, conta.

“Meu irmão era um gigante solidário. Ele jamais seria o mesmo se tivesse voltado para a casa e não tivesse ajudado ninguém, vendo a magnitude que foi”. Segundo ela, os bombeiros chegaram a pedir que ele não entrasse na boate.

Engenheiro que projetou isolamento acústico da boate é primeira testemunha de acusação a ser ouvida

O engenheiro Civil Miguel Ângelo Teixeira Pedroso, 72 anos, foi ouvido entre a tarde e a noite desta quinta-feira (2). Pós-graduado na área de acústica arquitetônica, em 2011, ele foi responsável pela elaboração do projeto de isolamento acústico da boate Kiss para adequar o estabelecimento ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado com o Ministério Público para resolver esse problema.

No entanto, o projeto não foi executado conforme as sugestões do engenheiro. Ele detalhou o que indicou para resolver o problema. “Minha sugestão foi que se fizesse uma parede na entrada da boate e revestisse todas as paredes com uma camada de tijolos. Entre as duas camadas, uma de fibra de vidro, que também é um isolante acústico”.

O projeto acabou sendo feito com pedra em vez de tijolo, material que Elissandro já tinha. A única coisa que Elissandro não concordou, segundo a testemunha, foi em fazer essa colocação no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”.

O Engenheiro aconselhou a troca da posição do palco para que fosse deslocado para o fundo. O proprietário pediu que ficasse em nível acima do piso. Foi colocada lã de vidro com maior densidade, para evitar o som do impacto, e recoberta com uma camada de madeira compensada.

Pelo trabalho, Pedroso cobrou R$ 8 mil e recebeu R$ 6 mil à vista. Ele não foi contratado para realizar a execução do projeto, mas costumava acompanhar o andamento da obra. Conforme o engenheiro, os problemas de acústica continuaram e ele voltou a sugerir lã de vidro e gesso acartonado.

Ele enfatizou que, em nenhum momento indicou o uso de espuma no local, “pelo que acredito, do ponto de vista técnico, no que diz respeito a isolamento acústico”. “Pelo que acompanhei na imprensa, a espuma colocada na boate foi comprada em uma colchoaria. Esse tipo de espuma é inflamável”.

Segundo Pedroso, a espuma adequada para isolamento acústico é bem mais cara que a comum e também mais resistente ao fogo. Como foi constatada a presença de espuma na Kiss, o Engenheiro acredita que foi realizada uma obra posterior ao seu projeto. Frisou que qualquer espuma vai eliminar gases tóxicos em contato com o fogo, por ser derivada de petróleo. O depoimento se encerrou às 20h10min.

DJ da Kiss depõe

Lucas Cauduro Peranzoni começou a ser ouvido por volta das 21h. Ele era DJ na Kiss há seis meses quando houve o incêndio. Conforme o sobrevivente, o fogo começou com uso de artefato pirotécnico. Logo em seguida, viu uma nuvem densa, que se espalhou com rapidez, e tudo ficou escuro. O jovem caiu no chão da boate e acabou pisoteado, sendo levado até a porta do estabelecimento.

Lucas foi contratado como freelancer por Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e por Mauro Londero Hoffmann, os sócios da Kiss e réus no processo. Mas disse que questões administrativas eram tratadas com o Kiko e sua equipe.

Ele não tinha conhecimento sobre a colocação de espuma no teto do estabelecimento. Também não soube dizer se a Gurizada Fandangueira utilizava artefatos nos seus shows. E disse que conhecia a banda de Kiko, chegou a viajar com ela e estava presente quando o clipe do grupo foi gravado na Kiss.

A testemunha informou que nunca ouviu uma ordem para que os seguranças barrassem o público para não sair sem pagar. Respondeu também sobre controle de público na danceteria; que sabia que existia esse controle, mas não se efetivamente se cumpria. Afirmou que havia placas de sinalização no interior da boate, mas naquele momento, não podiam ser vistas devido à escuridão.

Depoimentos desta sexta-feira

Nesta sexta-feira (3), está prevista a inquirição das testemunhas de acusação Daniel Rodrigues da Silva e Gianderson Machado da Silva – que pediram nos autos para antecipar os seus depoimentos. E, na parte da tarde, a testemunha Pedrinho Antônio Bortoluzzi, arrolada pela defesa de Marcelo; e a vítima Érico Paulus Garcia.