Na quarta-feira da semana passada (22), 207 trabalhadores foram resgatados de um alojamento no Bairro Borgo, a cerca de 15 km dos vinhedos do município em Bento Gonçalves. Vindos em sua maioria da Bahia, eles haviam sido contratados para trabalhar na colheita da uva. No entanto, segundo o MPT-RS (Ministério Público do Trabalho do RS), foram submetidos a uma situação degradante de exploração. Há relatos de cárcere, desrespeito às leis trabalhistas, violência física e forte exploração econômica.
A empresa contratante era uma terceirizada chamada Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA. Ela oferecia mão-de-obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, além produtores rurais da região.
O responsável pela terceirizada, identificado como Pedro Augusto Oliveira de Santana, de 45 anos e natural de Valente, na Bahia, chegou a ser preso e encaminhado, em um primeiro momento, para a delegacia da PF (Polícia Federal) em Caxias do Sul. Depois ele foi transferido para um presídio em Bento Gonçalves. No entanto, Santana foi solto no dia seguinte após pagar fiança estipulada em cerca de R$ 40 mil.
Após o caso ser descoberto, vieram à tona outros episódios em que Santana também foi responsável por uma empresa, que depois veio a ser investigada. Esse caso ocorreu em Concórdia, no Oeste de Santa Catarina, de forma semelhante a de Bento Gonçalves. A ocorrência data de 2015 e o inquérito aberto pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) foi arquivado após a empresa encerrar atividades na região.
Também há outros registros. Segundo o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), uma empresa de Santana, denominada Oliveira & Santana, recebeu 10 autuações por irregularidades trabalhistas em 2012. Também houve interdições de alojamento, porém não houve situação de escravidão flagrada. A empresa fechou em 2019.
Responsabilidade das vinícolas no caso
Na quarta-feira (1º), o MPT-RS (Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul), realizou uma audiência com as três vinícolas (Aurora, Garibaldi e Salton) contratantes do serviço da terceirizada que submetia os trabalhadores ao regime análogo à escravidão. O objetivo da reunião foi, além de relatar a situação do caso e apresentar o que foi apurado nas investigações, requisitar informações sobre os contratos mantidos entre as três empresas e a Fênix Serviços de Apoio Administrativo.
Segundo o MPT-RS, as três empresas manifestaram o desejo de colaborar para o aperfeiçoamento da fiscalização da cadeia produtiva e de negociar um compromisso com esse objetivo. O órgão requisitou às três empresas documentos contratuais e financeiros, como contratos de prestação de serviços, atos constitutivos, notas fiscais, informações sobre fiscalização dos contratos, entre outros, a fim de dimensionar a medida da responsabilidade de cada uma.
Enfim, foi dado às empresas 10 dias para apresentar a documentação requisitada. Com análise desse material, será apresentada proposta do MPT às vinícolas incluindo obrigações de fazer e de pagar indenização a título de danos morais coletivos, com o objetivo de prevenir novos casos e reparar o dano coletivo já causado.
As três vinícolas afirmaram, por meio de notas, que se “solidarizam com os trabalhadores”, que “desconheciam a situação” e repudiam veementemente a situação a que os trabalhadores foram submetidos.
Em carta aberta, ainda, a Vinícola Aurora disse que “os recentes acontecimentos envolvendo nossa relação com a empresa Fênix nos envergonham profundamente”. A empresa também pediu “mais sinceras desculpas aos trabalhadores vitimados pela situação” e estendeu o pedido “ao povo brasileiro como um todo”, complementa.
A carta termina com a promessa de mudanças na dinâmica da empresa, que “devem qualificar não apenas a nossa relação com todos os parceiros, na busca de obtermos controle sobre os processos como um todo, mas também nas práticas e políticas internas da empresa e quanto ao nosso papel enquanto agente econômico, social e cultural de destaque em nossa região e a responsabilidade que advém disso”, conclui.
Na última terça-feira (28), a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), um serviço social autônomo que promove os produtos brasileiros no exterior e que é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, suspendeu a participação da Aurora, da Cooperativa Garibaldi e Salton de suas atividades.
Policiais também são investigados
Em outra frente da investigação está a possibilidade de policiais militares estarem acobertando os crimes de exploração dos terceirizados em Bento Gonçalves. A corregedoria da Brigada Militar e a Polícia Federal estão investigando após as vítimas relatarem terem sido espancados e ameaçados por dois PMs. Nos depoimentos, são mencionados dois soldados.
Entre as ameaças sofridas, estão de serem espancados e serem mortos por se recusarem a ficar na “pousada”. Tanto é que os denunciantes não procurara a polícia militar e, sim, a PRF (Polícia Rodoviária Federal). Também há indícios que policiais faziam serviços particulares para empresários da Serra, o que contra as regreas da Brigada Militar.