Intelectuais de formações diferentes, reunidos na 42ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), que ocorre em Caxambu (MG), mostram-se preocupados com a estabilidade democrática do país, com o andamento de políticas públicas, com o convívio e a tolerância entre as pessoas em uma eventual vitória no segundo turno do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL).
Para a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, “o que está em discussão é a qualidade da democracia que Bolsonaro propõe”. De acordo com a pesquisadora e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), “Bolsonaro não tem qualquer respeito aos direitos humanos. Já disse que vai fechar as ONGs. Já disse que não vai respeitar as reservas indígenas, nem as terras de quilombolas. E tem uma atitude homofóbica”.
A especialista alerta para o empoderamento de pessoas com atitudes preconceituosas e violentas. “Que tipo de atitude política e social estamos sendo lenientes?”, questiona a historiadora.
A acadêmica conta que tem alunos e alunas que já estão sofrendo e se sentido acuados. “Uma aluna que mudou de gênero não usa mais WhatsApp por causa das mensagens que recebia. Outra estudante que saiu do metrô com um botton do movimento LGBT foi agredida. E há uma série de alunos negros que têm sido chamados de macacos”, relatou.
Violência na política
Professor do Departamento de Ciência Política da USP, Rogério Arantes avalia que Jair Bolsonaro “trouxe de volta a violência para a política”.
“Frases como as do seu filho [Eduardo Bolsonaro, sobre o fechamento do STF], de seus apoiadores oriundos do setor militar ou da elite política civil que fazem coro a esse autoritarismo estão sendo diretamente autorizadas pelo candidato Jair Bolsonaro a se expressarem assim. De tal forma que é uma candidatura que apresenta um risco para a estabilidade institucional e para democracia brasileira”, avaliou.
Estrato insatisfeito
O discurso de Jair Bolsonaro, considerado “antissistema”, encontra acolhimento entre setores da sociedade insatisfeitos com o encaminhamento da política e com o atendimento insuficiente dos serviços públicos.
Para o sociólogo Carlos Eduardo da Rosa Martins, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-hegemonia (LEHC) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há um amplo estrato que não se beneficiou de programas distributivos na era do PT nem acumulou riqueza como aconteceu com as elites.
“A direita construiu uma narrativa dizendo que o inimigo dessas populações, que sentiam que os serviços públicos eram precários, que o inimigo era o PT, que havia criado a corrupção sistêmica no Brasil, com objetivos inclusive de expansão internacional”, descreve Martins.
Essa fala mobilizou pessoas que, apesar de não serem as mais pobres, dependem do Estado e dos serviços públicos, não têm plano de saúde nem filho na escola particular.
Para o sociólogo, parte da população percebe que não se fez, na era petista, um esforço para gerar empregos aos egressos da universidade, oriundo de famílias que chegaram pela primeira vez ao nível superior.
“As pessoas saíram das universidades e não encontraram emprego”, destaca. “É equívoco achar que esses setores se tornaram conservadores porque viraram classe média. Esses setores entendem que esses recursos não chegam para eles”.
Para Martins, o principal problema do Brasil não é a corrupção “mas a apropriação institucionalizada desses recursos através do sistema da dívida pública que beneficia 0,1% da sociedade brasileira. Se você não nomeia que o problema é esse, a população não é capaz de fazer ela mesmo isso”.
*O repórter viajou a convite da Anpocs