Cotidiano

Servidor, advogados e estagiário são condenados por fraude em alvarás

Um servidor do Poder Judiciário estadual, três advogados e um estudante de Direito (estagiário de escritório de advocacia à época) foram acusados de montar um esquema para fraudar alvarás que causou um prejuízo de mais de R$ 230 mil. Este dinheiro deveria ser destinado ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (FECON/RS). .

Todos os envolvidos foram condenados por peculato e o servidor também responderá pelo delito de supressão de documentos.

Caso

O Ministério Público denunciou o ex-servidor público Gilmar Antônio Camargo de Oliveira e os advogados Rose Nunes da Silva Susin, Lairton José da Luz Venson, Maristela Brancher Venson e Frederic Cesa Dias, na época estudante de Direito.

Gilmar Antônio Camargo de Oliveira era Auxiliar de Juiz do Juizado Especial Cível do Foro da Comarca de Caxias do Sul. Inicialmente, segundo a denúncia, ele criou alvará falso, acrescentando o nome de Rose Susin como a procuradora autorizada para sacar R$ 20.585, 38. Este era o valor que estava depositado em uma conta judicial vinculada a um processo.

Foi o autor deste processo, que deveria ser o beneficiado pela decisão, quem deu origem a toda investigação. Um dia foi até o JEC para se informar e quem o atendeu foi Gilmar de Oliveira. Ele entregou R$ 1 mil ao autor do processo e o fez acreditar que era apenas esse o valor a que tinha direito.

Na divisão de tarefas e funções do Cartório, o denunciado Gilmar de Oliveira não era encarregado da expedição de alvarás. Ele repetiria este crime outras 13 vezes. Na maioria das vezes, em conjunto com essa mesma advogada, que fazia os saques na agência bancária que fica dentro do Foro. A divisão dos valores seria feita ainda dentro do prédio, no mesmo dia. Depois das falsificações, Gilmar também retirava os autos dos processos documentos que nunca mais foram encontrados.

Uma das retiradas foi no valor de R$ 18.271, 30.

Algumas vezes o procedimento era repetido, mas por meio dos advogados Maristela Brancher Venson e Lairton Venson. O então estudante de Direito Frederic Cesa Dias participou de uma dessas operações de transferência de dinheiro.

Na investigação foi constatado que os alvarás falsos eram feitos no computador que ficava na mesa do réu Gilmar.

Alguns processos, inclusive, já baixados e com indicação de caixa-arquivo, foram localizado na estação de trabalho do ex-servidor.

A defesa de Gilmar de Oliveira suscitou a prática de crime culposo, apontando diversas irregularidades e negligência na confecção dos alvarás que contribuíram diretamente para os fatos. Quanto ao mérito, confessou que confeccionou os alvarás, postulando o reconhecimento da atenuante.

Mas, negou que tenha retirado processos e documentos da esfera judicial, apontando falta de provas. Postulou a averiguação da conduta culposa dos demais servidores e magistrados do cartório.

Os advogados Lairton Venson e Maristela Venson alegaram ausência de dolo, ou mesmo ciência dos fatos supostamente ilícitos praticados por Gilmar. Afirmaram que não tiveram participação nos fatos, agindo de boa-fé, na confiança depositada no então servidor público de longa data lotado no Poder Judiciário local.

A advogada Rose argumentou a violação do devido processo legal por ausência de oitiva de parte das testemunhas. Apontou o princípio da confiança, a afastar o dolo da acusada, ausência de demonstração do concurso de agentes e ausência de relevância causal na suposta participação dele nos fatos.

A defesa de Frederic negou a participação dele nos crimes, visto que não praticou nenhum ato processual e sequer foi seu nome mencionado em algum dos documentos referidos nos autos. Também alegou atuação em estrita boa-fé.

Decisão

A juíza de Direito Gabriela Irigon Pereira afastou todas as preliminares. Segundo ela, a denúncia e seu aditamento trazem todos os requisitos a permitir o exercício amplo da defesa pelos acusados.

Na decisão, a magistrada lembra que foi através da reclamação do autor de um processo que todo esquema foi descoberto.

Em buscas no sistema informatizado foi constatado que tal postulante recebeu R$ 5.000,00 e seu advogado R$ 2.400,00 de um total de R$ 20.400,00 bloqueados nos autos e em depósito judicial. O restante era destinado ao Fundo de Defesa do Consumidor, mas nada no sistema Themis indicava que tivesse sido remetido, visto que não foi localizado o ofício determinando ao banco a transferência dos valores. Em contato com a agência bancária que fica dentro do Foro, foi informado que todo o saldo remanescente foi sacado mediante alvará judicial apresentado pela advogada Rose Nunes Susin.

O que causou surpresa foi o fato de que esta advogada não atuou neste processo, tampouco era parte ou interessada nestes autos. Além disso, ela retirou o valor com alvará que não estava relacionado aos autos do processo.

A Corregedoria-Geral da Justiça investigou o caso e o servidor foi exonerado em 2013.

Na sentença, a juíza afirma que todos os corréus estavam cientes e voluntariamente participaram do esquema criminoso arquitetado e idealizado por Gilmar de Oliveira, ingressando na cadeia de execução dos crimes, com total ciência dos crimes perpetrados.

Conforme a magistrada, a ex-servidora se aproveitou da relação de confiança conquistada ao longo de vários anos de serviços prestados, para, conhecendo o sistema, o elevado volume de alvarás judiciais expedidos em Vara Judicial de tramitação processual de monta para, assim, locupletar-se ilicitamente, desviando recursos oriundos de processos judiciais, causando prejuízo ao erário; e especialmente, abalando a relação de credibilidade e confiança, bem maior que o Poder Judiciário possui, frente à comunidade, quando seus próprios integrantes em conduta totalmente de encontro à finalidade do trabalho, de atender ao jurisdicionado visando à solução de lides, em análise, buscando em concreto a realização da Justiça; voltando-se contra esta, com desvio de valores dos quais tinham acesso através do manuseio e confecção ilegal de alvarás, totalmente ciente da ilegalidade e gravidade dos atos.

Penas

Gilmar de Oliveira foi condenado por peculato. O total da pena chega a 21 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão. A pena deve ser cumprida em regime inicialmente fechado, condicionando a progressão de regime à restituição da totalidade dos valores subtraídos. Deve devolver ao Poder Judiciário R$ 232.771,47, em solidariedade com os demais acusados.

A Juíza deixou de aplicar a pena de demissão, visto que ele já havia sido exonerado em procedimento interno da Corregedoria.

Rose Susin foi condenada a 7 anos e 6 meses de reclusão, inicialmente em regime semiaberto.

Maristela Venson recebeu uma pena de 5 anos e 4 meses também em regime semiaberto.

Lairton Venson recebeu condenação de 5 anos, 1 mês e 26 dias, em regime semiaberto.

A progressão de regime dos três advogados está condicionada à restituição dos valores subtraídos.
Frederic Cesa Dias, então estagiário, foi condenado a 2 anos em regime aberto. A pena foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de R$ 10 mil, já servindo como início de ressarcimento ao erário, a ser depositado no FECON. Ele também irá prestar serviço à comunidade em uma hora por dia de condenação em local a ser definido pela Vara de Execuções Criminais. Também foi condenado ao ressarcimento dos valores constantes nos alvarás.