Cotidiano

Iniciativas do Judiciário combatem e reparam violência contra a mulher

O estado de São Paulo chegou este mês ao milésimo julgamento de crime de feminicídio na Justiça brasileira, desde a edição da Lei nº 13.104/15, que introduziu o feminicídio - perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino - como qualific...

O estado de São Paulo chegou este mês ao milésimo julgamento de crime de feminicídio na Justiça brasileira, desde a edição da Lei nº 13.104/15, que introduziu o feminicídio – perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino – como qualificação de homicídio, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O número foi alcançado durante a 11ª edição da “Semana Justiça pela Paz em Casa”, uma iniciativa nacional para incentivar o julgamento de crimes contra a vida de mulheres.

Rio de Janeiro - Grupo participa de caminhada, organizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, pelo fim de todas as formas de violência contra a mulher (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Manifestações pelo fim de todas as formas de violência contra a mulher crescem no Brasil  (Arquivo/Fernando Frazão/Agência Brasil)

“O número de mil julgamentos é bastante significativo. A violência contra a mulher sempre aconteceu, não é uma novidade, mas o fato de os casos estarem chegando ao conhecimento do sistema de Justiça significa que a política pública para isso está acontecendo e tem sido eficaz”, disse Teresa Cristina Cabral, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do estado (Comesp).

“Obviamente, precisamos combater a violência, lutar para diminuir os índices e os acontecimentos, mas como a subnotificação sempre foi muito grande, é uma notícia boa nesse sentido, de que a política pública está funcionando, elas [as vítimas] estão procurando ajuda”, acrescentou.

Segundo a juíza, os julgamentos demonstram que algo está sendo feito em relação à violência contra a mulher e combatem a naturalização desses crimes.

Além dos julgamentos, o sistema judiciário oferece apoio na prevenção e reparação às mulheres que sobrevivem à violência.

O Projeto Fênix, parceria do tribunal paulista com a Secretaria da Saúde e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Turma do Bem, viabiliza cirurgias reparadoras para vítimas de violência doméstica e de gênero.

Desde 2016, o projeto oferece procedimentos gratuitos de reparação estética, ortopédica e odontológica para essas mulheres. O encaminhamento da paciente ao programa é feito por juízes, integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, além das delegacias de polícia. As vítimas também podem solicitar a reparação das lesões ocasionadas por agressões diretamente na Comesp.

Respeito e dignidade

“A agressão decorrente da violência de gênero, doméstica e familiar atinge a mulher em partes muito visíveis do corpo e tem uma finalidade muito específica, que é exatamente acabar ou diminuir a autoestima dessa mulher. Dependendo da extensão dessa lesão, inviabiliza inclusive o exercício de atividades profissionais. A ideia [do projeto Fênix] é proporcionar a melhoria da autoestima e reinserção dessa mulher em uma atividade social que seja minimamente respeitosa e digna”, disse Teresa.

O crime de feminicídio é identificado por meio de indícios e elementos de prova, segundo explicou a juíza do TJ-SP Maria Domitila Manssur.

“Os crimes praticados contra as mulheres muitas vezes se caracterizam por um alto número de golpes, atingem as mulheres em locais que podem machucar de forma íntima ou causar um dano muito grave, que não leve à morte, mas cause dor e que a mutile, que deixe uma marca muito constrangedora no caso de tentativa de feminicídio ou, no caso de morte, um sofrimento”, explicou.

“Os crimes acontecem em todas as faixas e camadas sociais, não há nível financeiro, não há escolha pelo grau de intelecto da vítima ou do agressor. O Brasil infelizmente se encontra no ranking de violência contra mulher ruim, é o 5º país [no ranking]. É um dado de violência muito forte e muito ruim. Não há idade, não há nível social”, acrescentou a juíza.

Mais projetos

Rio Branco, capital do Acre, vai receber em novembro deste ano o Workshop dos Direitos da Mulher Indígena, para prevenir e enfrentar a violência doméstica e familiar contra a mulher indígena no estado.

A inciativa do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) e da Organização de Mulheres Indígenas do Acre Sul, do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Sitoakore), apresentará a Lei Maria da Penha às participantes.

Para Eva Evangelista, juíza do TJ-AC, o Judiciário tem o dever de contribuir para evitar a violência contra a mulher.

“Primeiro, resgatando a sensação de punibilidade das vítimas com o julgamento de processos sejam os de violência doméstica, sejam aqueles de feminicídio. E também trabalhar com a prevenção, que é muito importante”, disse.

“Ano passado eu fiz uma visita à aldeia Morada Nova, em Feijó [AC], e me pediram para falar dos direitos das mulheres indígenas. Eu disse ali naquela oportunidade que o Judiciário estava em atraso com as aldeias indígenas do Acre há 517 anos [desde a chegada dos portugueses ao Brasil], porque jamais naquela aldeia indígena tinha ido algum desembargador”, disse Eva Evangelista, que é também coordenadora das mulheres em situação de violência doméstica e familiar do tribunal.

Na cidade baiana de Feira de Santana, o Tribunal de Justiça (TJ-BA) presta atendimento psicossocial aos agressores responsáveis por violência doméstica e de gênero, em parceria com a prefeitura, com o objetivo de romper esse ciclo de violência.

“O projeto surgiu da necessidade de atendermos também os agressores. Nós já tínhamos os projetos destinados ao atendimento das mulheres, mas nós não estávamos conseguindo uma resposta na diminuição da violência porque não estávamos atendendo os agressores. Tivemos essa ideia, fizemos o projeto e teve um resultado muito bom desde maio de 2015 para cá”, disse Wagner Ribeiro Rodrigues, juiz da Vara da Justiça pela Paz em Casa, de Feira de Santana.

Reincidência

Ao longo do projeto, foram feitos 665 atendimentos, dos quais apenas três homens foram reincidentes e voltaram a praticar novamente ato de violência doméstica contra a mulher.

“O restante não praticou mais nenhum ato nesse período, então temos uma resposta extremamente positiva”, destacou o juiz.

A participação no projeto é obrigatória na cidade. Quando há pedido da medida protetiva pela mulher agredida, a liminar já obriga o agressor a comparecer ao serviço de atendimento no tribunal. O agressor então recebe atendimento do psicólogo e da assistente social.

“Ali é feita uma orientação quanto à conduta, que esse comportamento é inadequado, busca-se saber quais as razões dessa agressão, por que ele está agindo dessa forma e feita toda a orientação quanto à parte psicológica e, se necessário também, a parte de assistência social, o que estaria faltando naquele lar efetivamente”, contou Rodrigues.

Como o atendimento é obrigatório, já que é uma das condições da medida protetiva, se o homem não comparecer, ele pode ser preso.