Descobrir maneiras de incentivar as crianças nos estudos da matemática é um dos objetivos do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM 2018, da sigla em inglês), que começou hoje (1º) no RioCentro, na zona oeste do Rio de Janeiro. Só que seduzir as crianças para a ciência dos números não é fácil nem mesmo no Japão, conforme revelou o ganhador do Chern Medal Award, o professor emérito da Universidade de Kyoto, Masaki Kashiwara.
O Japão ficou em quinto lugar em matemática na mais recente edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), enquanto o Brasil está em 66 entre os 70 países avaliados. Kashiwara disse que, apesar de as crianças de seu país terem um bom conhecimento em matemática, é difícil fazer com que elas gostem da matéria, assim como ocorre no Brasil,
“Isso é muito difícil no Japão também. Temos muitas crianças que não gostam. Eu penso que, o que acontece com as crianças no Japão é que temos milhares que sabem matemática porque a matemática é ensinada a várias crianças e elas não podem escapar. Nós ensinamos, mas não significa que elas gostem, infelizmente”, explicou. A Medalha Chern, vencida por Kashiwara, premia individualmente um matemático como reconhecimento pelas conquistas na área.
Já o italiano Alessio Figalli, ganhador da Medalha Fields, disse que é preciso mostrar para as crianças como “aprender pode ser um processo lindo e maravilhoso”, para conseguir a simpatia delas e motivá-las para seguir a área da pesquisa científica. Figalli ressaltou também que, assim como a sociedade muda, a matemática acompanha a evolução.
“A matemática envolve a sociedade, é uma disciplina que, quanto mais a sociedade muda, novos desafios aparecem. Matemática é uma disciplina muito dinâmica. Eu penso que há muitos objetivos a serem atingidos, temos a cada dia mais matemáticos no mundo. É uma área de ouro para continuar as pesquisas”.
Na coletiva de imprensa com os premiados do ICM 2018 que se realiza no Rio, os cientistas falaram também sobre seus trabalhos e sobre a influência da matemática no cotidiano, bem como a motivação para seguir carreira na área.
Tímido e pouco à vontade para dar entrevistas, o alemão Peter Sholze, o mais jovem a receber a Medalha Fields este ano, disse que a matemática é uma forma de descobrir o mundo. “Para mim, matemática é como descobrir algo no mundo, como ele é, completamente independente de nós, somente as estruturas internas que apenas seguem os números e têm suas propriedades, etc. Apenas explorar esse mundo é o que realmente me interessa”, afirmou.
O vencedor do prêmio Rolf Nevanlinna, o grego Constantinos Daskalaskis, falou da inspiração que a cultura de seu país tem em seus estudos. “A história grega tem grandes contribuições para a matemática, é uma grande inspiração para mim. Em certo sentido, minha pesquisa combina a matemática e a observação de pessoas, tentando entender os comportamentos racionais em situações de conflitos corporativos. Então, em certo sentido, minha pesquisa mistura matemática, computação e observação de pessoas e seu comportamento. Isso é inspirado na tradição grega de observar pessoas”.
Daskalaskis é professor no Massachusetts Institute of Technology (USA). O Prêmio Rolf Nevanlinna foi criado em 1981 e é concedido por contribuições de matemáticos no campo das ciências da informação.
Também foi revelado hoje o nome do vencedor do Prêmio Leelavati, que reconhece contribuições para aumentar a consciência pública da matemática como uma disciplina intelectual e o papel crucial que ela desempenha no desenvolvimento humano. O ganhador este ano foi o turco Ali Nesin, professor na Universidade de Bilgi.
O último prêmio anunciado hoje foi o Carl Friedrich Gauss, concedido para o estatístico norte-americano David Donoho, professor da Universidade de Stanford. A premiação homenageia cientistas cuja pesquisa matemática teve impacto fora da matemática, em áreas como a tecnologia, os negócios ou a vida cotidiana.
Artur Ávila
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o brasileiro Artur Ávila, ganhador da Medalha Fields em 2014, disse que a realização do ICM 2018 no Brasil é um reconhecimento internacional da ciência produzida no país.
“Tem uma importância simbólica muito grande, de mostrar que a matemática brasileira tem um reconhecimento internacional, que não é mais algo reduzido a algumas poucas pessoas fazendo um trabalho de qualidade”.
O matemático destaca que essa é uma oportunidade também de o Brasil olhar para a própria produção matemática “Da maneira como é apreciado e reconhecido lá fora, deveria ser reconhecido aqui dentro, porque há ainda uma falta de compreensão frequente interna do Brasil, das potencialidades científicas do Brasil”, afirmou.
Para o matemático, a comunidade científica brasileira trabalhou intensamente nos últimos anos para aproveitar o efeito positivo da premiação e do congresso no país, mas as condições econômicas e políticas foram desfavoráveis.
“A gente ficou lutando contra a crise que aconteceu. Muito do nosso trabalho, de toda a comunidade científica, nos últimos quatro anos, foi de não ir para trás, porque houve cortes, grandes dificuldades, havia um grande risco de fuga de cérebros, a nossa atratividade direta para pesquisadores estrangeiros diminuiu e foi um período muito difícil para a organização do congresso”.
Sobre a Medalha Fields, Ávila explica que o reconhecimento faz com que o premiado passe a ser um “embaixador” da matemática, para ajudar a divulgar a ciência para o público geral.
“Você ganha um prêmio que muitas pessoas que você respeita e ouvia falar há muito tempo ganharam, então você se sente em boa companhia. E te dá uma visibilidade maior, com relação ao grande público, como eu realizei um pouco aqui no Brasil. Na comunidade você é convidado um pouco mais, às vezes menos pelo seu trabalho e mais pelo que você representa, embora você continue trabalhando. É um papel adicional que você tem”.