Teve show da Lady Gaga no Rio de Janeiro, como possivelmente todo mundo viu ou ficou sabendo. A diva do pop reuniu mais de 2 milhões de pessoas na praia de Copacabana, pessoas sobre as quais ela exerceu uma imensa influência não só musicalmente, mas no processo de autoconhecimento e emancipação individual de cada um. Assim, a apresentação é um momento onde o desejado levado ao limite do inimaginável se faz vivo e possível, não como uma fantasia que nos tira do mundo por alguns instantes, mas justamente porque é real demais. Porque quanto mais magia mais realidade.
A música tem um poder de nos levar para esse plano. Algumas delas nos provocam essa sensação de que é possível fluir em mundo sem obstáculos. Nossa voz canta esquecendo o idioma que fala, nosso corpo dança desmontando sua própria anatomia. Para além desse mundo chato e transcendente, comandado por Deus, pelo Homem e pelo Capital, onde volta e meia temos de lembrar que precisamos de um teto para morar, de comida na mesa, de boletos pagos, e por aí vai…
A Lady Gaga é importante para mim também. Olho minhas playlists e encontro “Million Reasons”, “You and I”, e eu gosto das músicas do filme também, como “Always Remember Us This Way”, “I’ll Never Love Again”, e “Shallow”. Assim, diante dos limites impostos pelo fim do show ou pelo pause no Spotfy, a cantora carrega possibilidades de futuro.
Este efeito provocado pela música fez-me lembrar de uma canção de Chico Buarque, onde ele diz:
“E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge e sente
Se de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
Do meu violão
Canta, canta uma esperança
Canta, canta uma alegria
Canta mais”.
Essa ideia de que pensar a arte não como uma alienação, uma suspensão do real, mas sim um amplificador deste, como algo que pode nos levar adiante. Uma força que surge quando, por alguns instantes não temos de conviver com o “ferro do suplício”, essa metáfora para um mundo como o nosso, onde o desejo e a alegria são constantemente cerceados por inúmeras explorações e violências.
A questão é o que faremos com isso. Como manteremos o voo pleno que composições como essas nos proporcionam. Sem arte, não haverá futuro e creio que muito dos nossos impasses emocionais surgem quando deixamos de crer nas ancestrais forças da vida. Pois a tristeza infla o poder e vice-versa. E, além disso, pouco a pouco, mina nossos caminhos.
A Lady Gaga proporciona essa atitude implacável contra os apequenamentos da vida. Fico feliz quando vejo que isso serve para as pessoas vencerem as pequenas batalhas do dia a dia que nos fazem grandes. Essas conquistas que temos e muitas vezes nem nos damos conta. Afinal, fazemos o que podemos diante das imprecisões do destino. Difícil saber a gerência que temos com o que nos acontece, só sei que a música me leva longe.