Crônica de Ypiranga 0 x 0 Grêmio: uma carta na quarta de cinzas

A reunião de condomínio da semana passada permitiu um carnaval mais animado no prédio. Teve até festa no salão, com a presença do senhor Guilherme, o síndico, que foi fantasiado com uma máscara. Passados os quatro dias, chegou hoje a quarta-feira de cinzas (14). Que belo nome para um dia, a propósito. Estamos todos esgotados, mas renascendo, quem sabe na direção de algo melhor.

Estava sozinho em casa. Lygia foi visitar a gurizada. Sinto o silêncio, sempre tive uma relação muito próxima com ele. Abro as janelas, e ele entra, primeiro com um pequeno assovio de vento, mas que logo se cala. E assim passam as horas do dia. Mas há futebol, ah o futebol. O Grêmio jogaria às 19h e eu infelizmente estava longe de meu amigo Jorge.

Mesmo assim fui ao sofá, com o notebook no colo. Enquanto vejo na TV o pré-jogo, abro meus e-mails, que já se acumulavam. Entre spams, ofertas e outras notificações inúteis, vejo um que me chama atenção. A remetente era Cláudia Berenice, filha de Jorge, que eu conhecera no feriado de Navegantes. O título da mensagem era “Limbo impessoal”. Soou dramático, mas me interessou, como me interessara sua figura desde o início.

O jogo

Nesse meio tempo, começou o jogo do Grêmio, em Erechim, contra o Ypiranga. Reporto este trecho do texto para aqueles leitores mais objetivos, que sei buscam os detalhes da partida. Tricolor cheio de reservas. Nem o Renato foi. Mesmo assim, o primeiro tempo foi movimentado.

Chovia fraco, acelerando a bola, e a temperatura não castigava. Ambas as equipes poderiam ter marcado, mas a melhor chance foi do Grêmio, com o garoto Gustavo Nunes, melhor notícia da noite, que, dentro da área, parou no goleiro Alexander. A partida foi para o intervalo.

Correio eletrônico

Volto para o e-mail de Cláudia. Abro e leio. Segue na íntegra:

*

Como vai, Professor?

Como lhe prometi, mando alguns esboços de ideias que me ocorreram nesses últimos dias. Pensamentos que tomam conta de mim, e dos quais, como dissemos aquele dia, às vezes nos sentimos meros datilógrafos deles.

Pois bem, tenho me sentido em descompasso com esses últimos dias. Mas não por uma tristeza que se opõe à alegria colorida das ruas. Pelo contrário, minha alma é uma tempestade cujos raios estremecem meu coração. O estremecimento chega como um terremoto e, como se os quadros da sala balançassem, assim caem minha máscaras. Uma a uma.

Cada vez me perco mais do meu esquecimento de mim. Vejo que sou infeliz, ainda que a natureza peça passagem pelas minhas costas. Não triste, infeliz. Consigo ser infeliz mesmo comendo pipoca doce no circo. Sempre fui, sempre serei infeliz. Mas não lamento. Finalmente algo que não levarão de mim.

Vejo que meu descuido com minhas roupas, essa casa desarrumada, são meu meticuloso projeto de futuro. Que um eu em mim planificou, outro eu executou e, o verdadeiro eu, não percebeu. Meu verdadeiro eu não me conhece.

Mas repito. Não lamento, até porque duvido da veracidade deste outro eu que lhe escreve. O tom de seus textos muitas vezes não resistem a um chocolate ou uma guloseima qualquer.  Como diz o Joãozinho da Beatitude, vizinho nosso aqui na praia. Beatitude é o nome do bairro. “o corpo e a mente se afetam juntos, para cima ou para baixo”. Só não me sinto controle de tantas variações.

Então aqui me despeço. Aguardo seu retorno, não sei se com esperança, o que me acalma.