…Então seguiram-se os dias após a conversa com Joaquim no corredor do prédio. A vida era feliz, às vezes um pouca lenta e silenciosa, mas feliz. Podia repousar, comer com calma e volta e meia ver os amigos. Naquela quarta-feira (24), descia com o Poe, nosso poodle, quando vi de novo o vizinho. Era dia de jogo do Inter pelo Gauchão. Puxei assunto…
– E hoje, Joaquim?
– Time reserva fora de casa. Verei mais pelo protocolo.
– Sim. Mas é bom. Ainda estou pensando no que fazer hoje.
– Ora, pois chegue lá em casa, o amigo é sempre bem-vindo. – respondeu, o que me trouxe felicidade, ativando de súbito minha verve.
– É como diz o sábio: “Dez vezes tendes de rir durante o dia e alegrar-te: ou então o estômago ficará atribulado à noite” – sentenciei.
– Não tenha dúvida – concluiu Joaquim sem sorrir muito. O conhecendo bem, ele provavelmente se perguntava se meu excesso de cortesia não era uma compensação por alguma dívida que eu teria em aberto com ele.
Entramos no apartamento, onde ele morava sozinho. Sentamos no sofá e, em seguida, ele liga a TV. Com os reservas, o Inter enfrenta o São Luiz, em Ijuí. A falta dos principais nomes fazia o Colorado uma equipe lenta e previsível. No ataque, Luiz Adriano e Pedro Henrique nada faziam, como nada faziam há muito. Aos poucos, no sofá, o sono começa a acometer Joaquim. Em um dado momento ele desperta e, para não parecer estar se entregando, diz:
– Este é Vigário! – o som de sua voz, não tendo um destinatário certo, sai pela janela em direção ao nada – este time está um turbilhão de átomos esparsos.
– Por que não vai dormir, homem?
– Ando com um sono irregular. Às vezes durmo superficialmente, depois acordo e viro a noite – me sensibilizei com o amigo e lembro de minhas frases. É tudo que tenho.
– “Dez vezes por dia tendes de superar-te a ti mesmo: isso faz uma boa fadiga e é a papoula da alma”.
– Oh, o amigo gosta das imagens sublimes e raras, das imagens grandes e nobres. Achei-a tão elegante que mudo de parecer e tentarei cuidar mais do sono.
– O Inter está contribuindo… Mas… Por que não dorme? Alguma preocupação?
– Ah, volta e meia me voltam lembranças de meu antigo trabalho. Trabalhei por anos lá e acabei demitido. Dá um misto de frustração e saudade.
– E como foi tua saída?
– Desentendi-me com o diretor. O “Dono da Mercearia”, se me entende. Daqueles homens de negócios, mais preocupados em exercer influência, quem sabe tornar-se prefeito e exercer o governo moral do mundo com a caneta, essas coisas.
– Entendo. Sinto-me impotente nessas horas.
– Ah, não se preocupe. Uma frase de amigo já está de bom tamanho – responde, quando eu sorrio.
– Então lá vai: Dez vezes tendes de reconciliar-te consigo; pois a não superação é amargura, e dorme mal o irreconciliado.
– Ah, com certeza. Minha cabeça está erguida. Vivo e morro jornalista.
– Ótimo! Manter-se desperto para bem dormir.
O jogo acaba 0 a 0. Nada muito saliente a destacar. Um que outro gol perdido, mas que ficará apagado na história. Despeço-me de Joaquim, que escorrega habilmente para seu quarto. Cheguei no apartamento e deitei-me. No escuro e no silêncio, pensei no que fiz e pensei durante o dia. Quais minhas superações, reconciliações e verdades? Até que me tomou de assalto o sono. Ele bateu em meus olhos e eles ficaram pesados. Depois me tocou a boca… e ela se fez aberta… Dormi.
Sequência
Com o empate, o Inter tem quatro pontos no Campeonato Gaúcho. O próximo compromisso é no Beira-Rio, sábado (27), contra o Ipiranga de Erechim. A partida será realizada às 16h30.