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Primeiro dia de julgamento do caso Kiss tem escolha de jurados e depoimentos de duas testemunhas

Durante a manhã, os trabalhos se resumiram a escolha dos jurados que vão compor o Conselho de Sentença. Na parte da tarde e noite foram ouvidas duas sobreviventes do incêndio.

Chegou ao fim, às 22h10 da noite desta quarta-feira (1º) o primeiro dia de julgamento sobre o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Durante a manhã, os trabalhos se resumiram a escolha dos jurados que vão compor o Conselho de Sentença, que é composto por 6 homens e 1 mulher. Serão eles que vão decidir se os quatro réus são culpados e inocentes em vários quesitos.

Os quatro réus – Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão – que respondem por homicídio simples. A acusação é de homicídio consumado 242 vezes, pelo número de mortes, e 636 tentativa, pelo número de feridos. Eles acompanharam a sessão, ao lado dos seus defensores. Luciano chegou a passal mal na chegada ao Foro Central I, onde é realizado o julgamento, e precisou de atendimento médico.

Jurados

Compareceram ao Foro 65 pessoas que haviam sido sorteadas previamente. O magistrado Orlando Faccini Neto, que preside o júri, fez a chamada de 25 nomes, que foram para a urna, dentre os quais, 7 definidos para compor o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. Cada defesa recusou três nomes.

Os jurados sorteados foram liberados para fazer contato com os seus familiares e, eventualmente, mandar oficiais de justiça buscar seus pertences. Desde as 11h, eles estão incomunicáveis. Isso significa que eles não poderão ter acesso a telefone, redes sociais, internet e nem se manifestar sobre o processo. O grupo será orientado por Oficiais de Justiça.

“Ser jurado é uma experiência que pode ser dificil, mas é profundamente enriquecedora. Aconteça o que for, quando esse júri tiver terminado, vocês terão prestado um serviço cívico da mais alta envergadura”, afirmou Faccini.

O Conselho de Sentença, ao final do julgamento, irá responder aos quesitos, deliberando pela absolvição ou não dos réus. Em caso de condenação, caberá ao juiz presidente fixar a pena. A decisão do júri é soberana, não podendo ser mudada. Ao final desta etapa, os jurados prestaram compromisso.

Após a escolha dos jurados, os defensores dos quatro acusados apresentaram uma série de nulidades.

Depoimentos à tarde e à noite

Duas sobreviventes da tragédia na boate Kiss foram ouvidas nesta quarta-feira (1°). Kátia Pacheco Siqueira foi a primeira vítima ouvida em plenário e falou por mais de 4 horas. Na época, ela trabalhava na cozinha e no bar da boate. Em razão do incêndio, teve 40% do corpo queimado e precisou passar por 5 cirurgias de enxerto de pele e diversas cirurgias reparativas.

Ela contou que, na época em que trabalhava na Kiss, tinha contato apenas com a irmã de Elissandro Callegaro Spohr e trabalhava no local entre quinta-feira e sábado. Conforme a vítima, quando não tinha movimento, a casa recebia em torno de 300 pessoas; e quando estava lotada, “não podia andar lá dentro” de tantos frequentadores. Segundo ela, Elissandro sempre estava presente nas festas.

Na noite do incêndio, 27/01/13, a boate estava lotada e Kátia trabalhava na cozinha. De repente, faltou luz e ela não sabia o que estava acontecendo, pois algumas pessoas gritavam que era briga. Quando viu que era fogo, respirou fundo, tentou sair, mas as pessoas se empurravam desorientadas. “Tinha gente imaginando que a porta do banheiro era a porta da saída”. Kátia desmaiou e quando acordou, pediu ajuda. “Tentaram me puxar e não conseguiram. Agarrei nas pernas de uma das pessoas. Foi quando fizeram força para me puxar”, relatou.

Quando conseguiu sair da boate, Kátia foi encaminhada para o hospital. Apesar de, aparentemente, se sentir bem, começou a sentir falta de ar, desmaiou e acordou 21 dias depois em um hospital em Porto Alegre. Chegou a ser entubada, mas conseguiu se recuperar e recebeu alta 46 dias depois. A jovem relatou que a Kiss contava com apenas uma saída e barras de ferro por toda a boate para fazer a divisão dos setores, inclusive, na saída. Havia também luzes de emergência, mas ela não se recorda se indicavam a saída.

Conforme a ex-funcionária, que não tinha carteira assinada e recebia R$ 50 por dia de trabalho, era difícil sair da boate para quem não conhecia o local. E relatou também que a boate havia passado por obras para elevação do piso e do palco.

A segunda testemunha a ser ouvida foi a terapeuta ocupacional Kelen Leite Ferreira. A jovem, que tinha 19 anos quando ocorreu o incêndio, estava com um grupo de 8 amigos na boate Kiss. Segundo ela, a danceteria estava lotada e havia uma longa fila para entrar.

Em seu depoimento, contou ao Juiz Orlando Faccini Neto que, quando o fogo começou, “ninguém avisou nada”. “Só vi uma multidão na minha frente. Achei que fosse briga, só me atinei em correr”. Ela disse que como enxergava pouco em razão da fumaça, caiu perto da porta. “Senti meus braços queimarem. Achei que fosse morrer ali e pedi a Deus pela minha família”.

A jovem acabou sendo resgatada por pessoas que tentavam tirar os sobreviventes. Kelen foi uma das primeiras pessoas a ser atendidas em um hospital naquela noite. No entanto, por causa de uma compressão causada por uma sandália em seu tornozelo, teve que amputar parte da perna direita.

Kelen foi encaminhada para Porto Alegre, onde ficou 78 dias internada no Hospital de Clínicas. Ficou 15 dias em coma e passou por diversas cirurgias de enxerto de pele, em razão das queimaduras sofridas, e de colocação de prótese. Para tanto, precisou ingressar com ação judicial contra o Estado e o município de Santa Maria. Ela segue tomando medicação, que é cedida por uma rede de farmácias, e faz acompanhamento frequente para evitar desenvolvimento de câncer de pulmão por causa da fumaça tóxica.

Narrou que era frequentadora da boate, mas nunca viu extintores de incêndio. O banheiro e a saída eram estreitos, na percepção da vítima. “A gente ia lá achando que estava seguro”. Ela acredita também que quem não conhecia o local teria dificuldades para sair de lá. Disse que a Banda Gurizada Fandangueira havia feito show dias antes na boate Absinto, que seria de propriedade do réu Mauro Hoffmann, e que utilizaram na ocasião artefato pirotécnico. Também declarou que era comum o uso desse material na Kiss, inclusive pela mesma banda. As defesas dos quatro réus não fizeram perguntas à vítima.

O júri será retomado nesta quinta-feira (2/12), às 9h.