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Relatório da CPI da Covid pede indiciamento de 66 pessoas e 2 empresas

Após quase seis meses de investigações, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou nesta quarta-feira (20) o relatório da CPI da Covid-19, que pede o indiciamento de 66 pessoas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, e de duas empresas. A conclusão do relator atribui 10 possíveis crimes a Bolsonaro, mas descartou a hipótese de genocídio de povos indígenas. Essa tipificação estava contemplada em uma primeira versão do texto de Renan, mas causara descontentamento em outros integrantes da CPI, especialmente o presidente Omar Aziz (PSD-AM), e acabou retirada.

Ainda assim, nunca antes na história do Brasil um presidente havia sido acusado de tantos crimes por uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O relator indicou que o presidente cometeu crimes comuns, puníveis com prisão, além de crimes da Lei de Impeachment e contra a humanidade. Negacionista da pandemia, Bolsonaro cometeu, segundo o relatório, os seguintes delitos:

  • Epidemia com resultado morte;
  • Infração de medida sanitária preventiva;
  • Charlatanismo;
  • Incitação ao crime;
  • Falsificação de documento particular;
  • Emprego irregular de verbas públicas;
  • Prevaricação;
  • Crimes contra a humanidade, nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos;
  • Violação de direito social;
  • Incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.

“Esta CPI identifica o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro como o responsável máximo por atos e omissões intencionais que submeteram os indígenas a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição dessa parte da população, que configuram atos de extermínio, além de privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de perseguição”, diz trecho do documento.

No trecho do relatório em que fala sobre crimes contra a humanidade, Renan destaca que “a população inteira foi deliberadamente submetida aos efeitos da pandemia, com a intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou, conscientemente, espalhar a doença”.

“Dentro desse contexto mais abrangente, o governo federal encontrou no vírus um aliado para atingir os indígenas, intencionalmente submetendo esses povos a condições que propiciem o seu desaparecimento enquanto comunidades culturalmente distintas. É um ataque sistemático, com dolo específico dirigido contra um grupo étnico, dentro do crime mais amplo que foi praticado, com dolo eventual, contra parte inespecífica da população”, acrescenta o texto.

Além disso, o relatório ressalta que é preciso recorrer ao TPI (Tribunal Penal Internacional) de Haia para o julgamento do crime de “extermínio”, que não existe na legislação brasileira.

Filhos de Bolsonaro e ministros

O relatório final da CPI também acusa os três filhos mais velhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, de “incitação ao crime”.

Já o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello é acusado pela CPI de epidemia com resultado morte; emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crimes contra a humanidade.

Seu sucessor na pasta, Marcelo Queiroga, cometeu, de acordo com o relatório, epidemia com resultado morte e prevaricação. A lista ainda inclui o ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República Onyx Lorenzoni (incitação ao crime e crimes contra a humanidade), o ex-chanceler Ernesto Araújo (epidemia e incitação ao crime), e o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário (prevaricação).

Por sua vez, ao deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, são atribuídos os crimes de incitação ao crime, advocacia administrativa, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

Funcionários de segundo escalão também são acusados, como o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco (epidemia e improbidade administrativa), o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias (corrupção passiva e formação de organização criminosa) e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro (epidemia, prevaricação e crime contra a humanidade).

Além disso, o relatório acusa diversos membros do chamado “gabinete paralelo”, grupo que assessorava o presidente Bolsonaro sobre o combate à pandemia à revelia do Ministério da Saúde. Entre outras coisas, integrantes desse comitê recomendaram o uso de cloroquina e ivermectina para o tratamento da Covid-19, questionaram as vacinas em desenvolvimento e criticaram medidas restritivas.

A médica Nise Yamaguchi, uma das principais integrantes do gabinete paralelo, é acusado de epidemia com resultado morte, assim como o empresário Carlos Wizard, o biólogo Paolo Zanotto, o ex-assessor de Bolsonaro Arthur Weintraub e o anestesista da Marinha Luciano Dias Azevedo.

O presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), o bolsonarista Mauro Luiz de Brito Ribeiro, também é acusado de epidemia com resultado morte pelo relatório da CPI.

Fake news

Em outro foco do inquérito, bolsonaristas são acusados de incitação ao crime por meio da divulgação de “fake news”, como os empresários Luciano Hang e Otávio Fakhoury e os blogueiros Allan dos Santos, Paulo Eneas, Bernardo Kuster, Oswaldo Eustáquio e Leandro Ruschel e o artista gráfico Richards Pozzer.

Já as empresas presentes no relatório são a Precisa Medicamentos, intermediária da compra da vacina indiana Covaxin, cujo contrato foi cancelado pelo governo Bolsonaro após a descoberta de irregularidades pela CPI, e a VTC Operadora Logística, suspeita de envolvimento em esquemas com servidores da Saúde.

Ambas são acusadas de ato lesivo à administração pública. O relatório será votado pela CPI da Covid na semana que vem e, em seguida, encaminhado ao Ministério Público Federal, que é chefiado pelo procurador Augusto Aras, próximo a Bolsonaro.