Especialistas que participaram hoje (24) da palestra Crédito Consignado e o Superendividamento, promovida pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), disseram que muitas pessoas estão contraindo “dívidas impagáveis” após serem mal esclarecidas por instituições financeiras e usarem o cartão de crédito consignado para fazer saques.
Segundo os especialistas, essas instituições não deixam claro que as taxas de juros cobradas nos saques são bem altas do que as disponibilizadas no empréstimo consignado.
“Pesquisa feita com informações das próprias empresas que oferecem o produto cartão de crédito consignado mostra que as pessoas utilizam o cartão consignado para fins de saque. Aí está o grande vilão atualmente para os consumidores no Brasil”, disse o defensor público Homero Medeiros.
De acordo com Medeiros, esse cartão não tem sido utilizado como meio de pagamento puro e simples. “Passou a ser utilizado como saque. Só que a forma como as empresas, em geral, têm agido tem causado grande transtorno”, acrescentou o defensor público, ao apontar o que chama de “desvirtuamento” que tais cartões vêm sofrendo ao longo dos anos.
“O que era para ser um simples pagamento acabou sendo um substitutivo do crédito consignado”, acrescentou Medeiros, em meio a críticas a empresas que têm se profissionalizado cada vez mais em oferecer esse tipo de crédito.
“Elas diuturnamente ligam e assediam os consumidores, no oferecimento do cartão e, já com o oferecimento do cartão, oferecem o saque.”
Idosos e vulneráveis
Segundo Medeiros, normalmente essas empresas buscam contratos com pessoas idosas, ou em situação de vulnerabilidade econômica, em especial servidores públicos ou beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que já estão com a margem de empréstimo consignado estourada. “Então essas empresas utilizam aquela tentação, porque a pessoa está precisando de crédito. Ela trabalha com essa situação concreta, para forçar a aceitação do saque.”
“Naquela ligação inicial, além da oferta excessiva, o operador não esclarece de forma adequada e clara a regra de funcionamento do cartão de crédito consignado. Então aquele consumidor é tentado e induzido a acreditar que está recebendo um crédito como se fosse um empréstimo, com pagamento em forma de prestação mensal e sucessiva, e com prazo certo para quitação. Ele é, a todo tempo, induzido a acreditar nisso. E nunca se preocupa com o faturamento mensal, e em como funciona o cartão de crédito tradicional, com pagamento mínimo e pagamento da fatura mensal”, acrescentou ao classificar esse esquema como “a grande abusividade praticada atualmente pelas instituições financeiras”.
O defensor público criticou também a falta de esclarecimentos de que, caso esses valores não sejam pagos em sua integralidade, podem resultar na incidência de encargos do crédito rotativo, aumentando o risco de a dívida virar uma “bola de neve”.
Prevenção
Especialista em direito do consumidor e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cláudia Lima Marques sugere que os canais legislativos incluam, no Código de Defesa do Consumidor, mecanismos preventivos contra o superendividamento, que segundo ela, se caracteriza por retirar condições mínimas de sobrevivência do indivíduo.
A proposta da professora é fazer isso por meio da adaptação do texto do projeto de lei (PL) 3.115 de 2020 – que altera a Lei nº 13.982, de 2020, de forma a determinar multa diária e restituição em dobro, do auxílio emergencial, em casos de comprovada a má-fé, por parte dessas instituições e de seus representantes.
“Temos de sair do momento atual em que há pouca educação financeira e uma espécie de cultura da dívida. As pessoas pegam os idosos na rua. Existe uma série de fraudes, e o assédio de consumo é muito forte, principalmente junto a idosos, analfabetos e àqueles que têm alguém doente na família. Enfim, os mais vulneráveis”, disse.
Fraudes com assinatura eletrônica
Os especialistas criticaram também algumas fraudes que ocorrem a partir de operações envolvendo assinatura eletrônica.
“Tem muitos casos de idosos que são tentados a deixar essa assinatura eletrônica com os representantes bancários chamados de ‘pastinhas’, que acabam renovando automaticamente [os contratos]. Isso é uma fraude, feita com a assinatura eletrônica do consumidor. Isso tem aumentado muito agora no período de pandemia”, afirmou Homero Medeiros.