Cotidiano

Uerj e MSF defendem que é cedo para relaxar o isolamento social no Rio

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) divulgou um documento em que se posiciona contrária à flexibilização das medidas de isolamento social, adotadas no estado do Rio de Janeiro em março para conter a pandemia de covid-19. Em relatório enviado ao Ministério Público do estado (MPRJ) nessa semana, a universidade recomendou a revogação do decreto que autoriza a suspensão das medidas restritivas.

O governador Wilson Witzel publicou decreto no último dia cinco liberando a reabertura de shoppings, bares, restaurantes, igrejas, estádios e pontos turísticos. Na capital, a reabertura gradual entrou na segunda fase na quarta-feira (17), permitindo a reabertura de shoppings, além de alguns tipos de comércio de rua e atividades esportivas sem a presença de público.

Para a Comissão de Acompanhamento sobre o Coronavírus da Uerj, devem ser adotadas novas diretrizes com base em estudos científicos e ações coordenadas entre o estado e os municípios. A instituição destaca que a letalidade por covid-19 no Rio de Janeiro é a mais elevada do país, em 9,67%, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde, enquanto a média nacional está em 4,9%, pelos dados do Ministério da Saúde, de acordo com os boletins divulgados ontem (18).

Relatório

A Comissão considera os dados que apontam para uma queda no número de casos e óbitos pela doença no estado, observados a partir do início de junho, mas alerta para o risco de recrudescimento da pandemia caso ocorra o relaxamento precoce e descoordenado das atividades econômicas, escolares e de lazer.

“Para fins de embasamento de ações relacionadas a distanciamento social, é fundamental analisar os presentes dados em conjunto com a taxa de ocupação de leitos das respectivas regionais de saúde, uma vez que o número de novos casos semanais de SRAG [Síndrome Respiratória Aguda Grave] ainda se encontra elevado mesmo nos estados que apresentaram queda”, diz o relatório da Comissão.

O texto destaca a desigualdade com que ocorre a disseminação da covid-19 no país e recomenda que sejam feitas avaliações locais sobre o contágio, “uma vez que a situação dos grandes centros urbanos é potencialmente distinta da evolução no interior de cada estado”. Para a Comissão da Uerj, as grandes regiões servem de base para analisar a situação, “mas não deve ser o único indicador para a tomada de decisões locais”.

O texto destaca, ainda, a alta taxa de mortalidade pela doença na Baixada Fluminense, de 11,7%, região com alta proporção de pessoas em vulnerabilidade social. A Uerj também alerta para a subnotificação, com indicativos de que “apenas 7,2% dos casos de covid-19 são confirmados”, e para a baixa capacidade do sistema de saúde de realizar testes diagnósticos do novo coronavírus e de fazer o monitoramento da doença.

O relatório propõe que seja criado um comitê com especialistas e técnicos indicados pelas universidades e instituições de pesquisa do estado, para trabalhar com base em dados dos últimos 14 dias e elaborar as normas técnicas para o “novo normal”.

O texto recomenda também a aceleração da abertura dos hospitais de campanha previstos e a reestruturação da rede de atendimento básico de saúde para fazer o atendimento especializado dos casos suspeitos sem necessidade de internação, que poderia ser chamada de UPA Covid.

Longe de acabar

A organização humanitária Médicos Sem Fronteira (MSF) também alerta para o risco de se fazer o relaxamento precoce das medidas restritivas. A MSF está atuando em quatro estados brasileiros nesta pandemia: Rio de Janeiro, São Paulo, Roraima e Amazonas.

Segundo a organização, a pandemia de covid-19 no Brasil se moveu das camadas mais ricas para as mais pobres da população e das cidades costeiras para o interior, passando a ameaçar “pessoas em situação de maior vulnerabilidade social e com acesso mais restrito a cuidados de saúde como moradores de favelas, pessoas em situação de rua e entre povos tradicionais como comunidades indígenas e ribeirinhas”.

No Rio de Janeiro, a MSF aponta a grave situação nas favelas. “Nestes locais, a capacidade do sistema de saúde, já levado ao limite, está agora atingindo o colapso; vários postos de saúde tiveram de fechar e as condições de vida mostram que o distanciamento físico é quase impossível, elevando o risco de espalhar o vírus”.

A MSF alerta também para as condições de trabalho dos profissionais de saúde em todo o país durante a pandemia.

“A capacidade de responder localmente às necessidades está sendo gravemente afetada. Enfermeiros estão morrendo de covid-19 no Brasil mais rapidamente do que em qualquer outro país do mundo, com o número de casos suspeitos e confirmados entre os profissionais saltando de 230, no início de abril, para 11 mil um mês depois, e quase 100 enfermeiros mortos em função da doença a cada mês”.

De acordo com a organização, a testagem para o novo coronavírus no Brasil está muito abaixo dos níveis internacionais. “Está sendo feita em um ritmo espantosamente lento, com o registro de 7,5 mil testes por milhão de pessoas, o que equivale a quase dez vezes menos que nos Estados Unidos (74.927 por milhão) e 12 vezes menos que em Portugal (95.680 por milhão)”, informa a MSF.

Para a diretora-executiva de MSF-Brasil, Ana de Lemos, a covid-19 “acendeu um holofote” sobre as desigualdades do país.

“[A pandemia] Expõe, de maneira terrível, um sistema de saúde que sofre com desigualdades estruturais e com a exclusão de um grande número de pessoas pobres ou sem-teto e de regiões como a Amazônia, onde há décadas faltam investimentos adequados. Vemos esforços relevantes implementados nos níveis estaduais ou locais para lidar com a pandemia, mas também vemos um enorme desalinhamento nas diretrizes, nas políticas e na abordagem ampla entre o governo federal e as diferentes regiões”.