Durante a 38ª Operação da Marinha na Antártica foi realizada uma inspeção para acertar os detalhes da reinauguração da Estação Brasileira Comandante Ferraz no continente gelado, prevista para janeiro de 2020.
Desde a década de 80, por meio do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), o Brasil contribui para o desenvolvimento da ciência com pesquisas, principalmente, nas áreas de glaciologia, biologia marinha e meteorologia.
Na última semana, a Agência Brasil mostrou as dificuldades da viagem até a Antártica, desvendou a base brasileira, contou sobre as riquezas antárticas e embarcou no Navio Polar Almirante Maximiano. Mas ainda restam curiosidades sobre o continente polar. O repórter Mauricio de Almeida revela pequenas curiosidades da rotina de quem vive no continente gelado.
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Quando eu recebi a notícia de que iria viajar para a Antártica fiquei um pouco preocupado. Afinal quem nasceu e sempre morou no Rio de Janeiro não está acostumado com o frio. Não tinha a menor ideia de como iria reagir diante de temperaturas negativas. Além de um possível problema de saúde surgiram algumas dúvidas como por exemplo: como vou tomar banho na Antártica? Embarquei sem saber ao certo o que iria encontrar no continente gelado e volto para a casa com vontade de algum dia conseguir retornar ao extremo sul do planeta.
Antes de chegar a Antártica, é claro que você precisa colocar roupas especiais, afinal a temperatura pode atingir menos 40 graus em algumas épocas do ano. Por sorte eu cheguei no verão antártico, quando o termômetro costuma girar em torno dos 6 graus negativos. Pode parecer pouco, mas para a região isso é considerado um dia quente. Esta foi justamente a primeira surpresa que eu tive logo depois de desembarcar no continente gelado. Ainda caminhando na pista do aeroporto da base chilena, o funcionário que nos acompanhava nos deu as boas-vindas e disse: “Vocês deram sorte porque chegaram num dia quente”. Achei que era uma espécie de brincadeira, mas todos que moram na Antártica estavam satisfeitos com o suposto “calor” polar. No alojamento brasileiro na Antártica, encontrei um militar com bermuda e camiseta que estava saindo para correr na praia da Ilha de Rei George, onde fica a Base Brasileira Comandante Ferraz. A imagem me impressionou e cheguei à conclusão de que para quem suporta menos 40 graus, 6 graus negativos é o auge do verão.
Eu não tenho um perfil antártico então usava o tempo todo as roupas especiais. O problema era vestir o material. Ele é composto por um macacão, casaco, gorro, botas revestidas, óculos escuros e luvas. Todo o equipamento é impermeável e com diversos lacres para evitar a entrada do vento polar. Você precisa vestir sobre a sua roupa mesmo para aumentar a proteção térmica. Pode parecer simples colocar essa roupa, mas não é. A vestimenta chamada de andaina tem um monte de locais para fechar e depois que você coloca a luva grossa fica sem tato algum. Caso algum botão ou zíper não estejam completamente lacrados vai permitir a entrada do gelado vento Antártico e você não vai suportar ficar fora da base. A maior dificuldade mesmo é quando chega a hora de calçar a bota. Ela só entra à força. Um detalhe: você precisa colocar e tirar a roupa várias vezes durante o dia porque dentro da estação a temperatura é aquecida. Ao longo do dia, fazendo minhas reportagens, eu precisava entrar e sair várias vezes da base, então o troca-troca de roupa foi intenso.
Tudo é difícil para um marinheiro de primeira viagem, mas na estação brasileira existe um grupo especial de militares da Marinha, uma espécie de anjo da guarda dos visitantes. Eles nos acompanham o tempo todo e, gentilmente, ajudam os marujos recém-desembarcados no continente gelado. Eles também cuidam da nossa segurança, e sempre caminhamos pelo gelo acompanhados. Esta é uma regra Antártica nunca sair da base sozinho e sem rádio. O clima é muito instável e você pode ficar sem condições de voltar ou sofrer alguma queda no gelo e por isso a comunicação e a companhia podem ser a diferença entre a vida e a morte.
Para evitar sujar o interior da estação existe um vestiário logo na entrada. O primeiro procedimento é mergulhar as botas (ainda calçadas) num balde de água para limpar. Em seguida você tira a bota e deixa no meio de dezenas de botas iguais. Fiquei pensando como iria encontrar a minha depois, mas o grupo da base me orientou a colocar num local destinado aos visitantes e não tive problemas.
Agora vamos a questão do banho. Achei que seria impossível, mas foi uma experiência bem tranquila. Logo na chegada, o chefe da base ensinou como funcionava o sistema de água e consegui tomar um banho normal. Nem parecia que estava num lugar tão gelado. Aliás, dentro da base você pode usar roupas normais porque a temperatura é agradável. Na hora de dormir, os quartos possuem um sistema de aquecimento especial e você escolhe a temperatura. No primeiro dia, nossa equipe não conseguiu ligar o aquecedor e acordamos quase congelados no meio da noite. Mais uma vez os militares do grupo nos salvaram e mostraram como o equipamento funcionava.
Outra preocupação que eu tinha era com a comida, mas a alimentação foi perfeita. A base brasileira tem um grande estoque que é transportado para o local por navios da Marinha. Tudo é cozinhado lá mesmo e a comida é deliciosa.
Na hora de sair da base, você precisa passar protetor solar e reaplicar várias vezes ao dia porque sem ele certamente vai ficar queimado pelos fortes reflexos do sol nas camadas de gelo. O único problema de reaplicar, no meu caso, foi que o protetor congelou durante uma caminhada. Aliás, o protetor labial que eu levei também estava congelado e a tela do celular de um colega de equipe deixou de funcionar por causa do frio. Além disso, o cabo flexível do microfone da câmera ficou duro ao ser exposto a uma fina camada de neve. O cabo congelou, justamente, na hora da minha participação ao vivo no telejornal, e ninguém sabia o que poderia acontecer, mas a transmissão foi perfeita debaixo da neve. Tudo muito normal: afinal você está na Antártica.
* O repórter viajou a convite da Marinha Brasileira
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