O procurador de Justiça Marcelo de Oliveira lamentou hoje (24) o resultado do julgamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que anulou os julgamentos do ex-policial militar Victor Cristilder Silva dos Santos, mais conhecido como Cristilder, e do guarda civil Sérgio Manhanhã, que foram condenados na primeira instância por participação nas chacinas de Osasco e Barueri, ocorridas em agosto de 2015. Dezessete pessoas foram assassinadas nessas chacinas e sete ficaram feridas.
Nesta quarta-feira, por unanimidade, os três desembargadores da 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça, Otávio Rocha, Reinaldo Cintra e Fernando Simão, votaram favoravelmente pelo recurso dos advogados de defesa do policial militar Victor Cristilder e do guarda civil municipal Sérgio Manhanhã, para que eles sejam submetidos a novo julgamento, embora mantendo a pena e a prisão dos dois. Ainda não há data para ocorrer este novo julgamento.
“Saio frustrado com o resultado, mas respeito à decisão do Tribunal de Justiça”, disse Oliveira a jornalistas, após o julgamento. O Ministério Público deverá analisar se pretende recorrer da decisão do Tribunal. “Estudarei os recursos com o setor próprio, nesse sentido”, disse o procurador. Segundo Oliveira, essa decisão não caberá a ele, mas à Procuradoria-Geral do Estado.
Defesa
Os advogados de defesa de Manhanhã e Cristilder comemoraram o resultado. “Vi a decisão com absoluta tranquilidade. Aquilo que eu disse antes do julgamento foi totalmente confirmado. Hoje tivemos um julgamento técnico, de pessoas que consultaram os autos e conheceram as provas, julgando com imparcialidade. Penso que, nessa tarde, foi restaurada a justiça”, disse Abelardo Julio da Rocha, defensor do guarda-civil.
Rocha disse que o Tribunal de Justiça não pode absolver seu cliente porque a competência constitucional é do Tribunal de Júri, que é formado por sete jurados escolhidos entre cidadãos brasileiros. “Mas o Tribunal [de Justiça] reconheceu que esse julgamento [do Tribunal de Júri] não observou normas mínimas do processo penal brasileiro”, disse.
Para o advogado João Carlos Campanini, que defende Cristilder, a “justiça finalmente foi feita”. “As pessoas leram o que a gente vem pregando no deserto há quase quatro anos. Só precisava ler. Eram 30 mil folhas. Ninguém queria ver. E graças a Deus eles leram, entenderam e anularam essa injusta condenação de mais de 100 anos”, disse.
Ambos os advogados disseram que vão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que seus clientes, que estão presos, respondam ao processo em liberdade.
No primeiro julgamento do caso, realizado em setembro de 2017, os sete jurados decidiram condenar os policiais militares Victor Cristilder, Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain, além do guarda civil Sérgio Manhanhã. Eleutério foi condenado a pena de 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão. Henklain recebeu sentença de 247 anos, 7 meses e 10 dias e Cristilder teve uma pena de 119 anos, 4 meses e 4 dias. Manhanhã foi condenado a 100 anos e 10 meses.
Nesta semana, os três policiais, que se encontram presos no Presídio Militar Romão Gomes, foram expulsos da Polícia Militar. Segundo o Diário Oficial de São Paulo, publicado no sábado (20), eles cometeram “atos atentatórios à instituição, ao estado, aos direitos humanos fundamentais e desonrosos, consubstanciando transgressão disciplinar de natureza grave”. A corporação não confirma se a expulsão tem relação com a participação nas chacinas, mas os advogados dos réus alegam que a condenação deles em primeira instância pelos crimes foi o que motivou a decisão da corporação.
Familiares
O pai de Thiago, Roberto Tavares Henklain, disse lamentar muito o resultado, que manteve a condenação de seu filho, a quem considera inocente. “Meu filho deixou quatro filhos pequenos para criar e está na cadeia. Essa é a nossa Justiça brasileira”, disse ele à Agência Brasil. “Espero por uma Justiça limpa e que os culpados paguem pelo que fizeram. Não os inocentes que estão lá dentro [na cadeia]”.
Os familiares das vítimas também lamentaram o resultado do julgamento. Após os votos dos desembargadores, mães de vítimas protestaram em frente ao Tribunal de Justiça, na Praça da Sé, levantando um cartaz com as fotos de seus filhos mortos na chacina. Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luis de Paula, que foi assassinado na ocasião, disse que as mães acabam tendo que aceitar a decisão de hoje.
“Pior seria se saíssem todos de uma vez. Mas a gente tem que aceitar. Para nós é importante que eles perderam a farda porque eles se escondem atrás da farda. Eles, à paisana, não vão a lugar algum. Infelizmente eles sujam a farda. Mas esse é um poder que tiraram da mão deles”, disse. “São quatro anos em que estamos na corda bamba. A vida da gente acabou”, disse, emocionada.
Recorrer ao STJ
Os advogados dos outros dois ex-policiais, cujos julgamentos em primeira instância foram mantidos pelo Tribunal de Justiça, disseram que pretendem recorrer da decisão ao STJ. Nilton Vivan Nunes e Flávia Artilheiro, advogados de Fabrício, disseram que vão entrar com recurso nas instâncias superiores. “Não vamos abrir mão de nenhum [dos tribunais]. Vamos até Brasília, ao STJ e ao STF [Supremo Tribunal Federal] porque é impossível que a acusação tenha se iniciado dizendo que Cristilder, junto com Manhanhã, eram supostamente as pessoas que teriam organizado e orquestrado tudo e eles são submetidos a novo júri e os outros dois, que supostamente teriam sido cooptados, a decisão é mantida. Isso é absurdo”, disse.
Quanto à expulsão de seu cliente da corporação, a advogada disse que a decisão foi política, “com a intenção de interferir no resultado do julgamento de hoje” e que pretende entrar, “oportunamente”, com medidas judiciais questionando a expulsão.
Fernando Capano, defensor de Henklain, disse que não esperava pelo resultado do julgamento. “Continuo entendendo que há argumentos mais do que suficientes para anular o júri. Mas confesso que saio hoje encorajado, com uma luz no fim do túnel. A verdade já está surgindo no horizonte. A mim me parece que o tribunal reconheceu que, de fato, existe um problema gravíssimo de legalidade que ocorreu nos dois júris”, disse.