Uma série de conversas vazadas mostram suposta colaboração entre o Deltan Dallagnol, do MPF (Ministério Público Federal), e o ex-juiz – e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública – Sérgio Moro. As comunicações foram expostas, na noite de domingo (9) pelo site Intercept Brasil.
As conversas foram divididas em cinco “capítulos” no site do Intercept. De acordo com o site, o material foi obtido de uma “fonte anônima”. O autor do vazamento pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018, conforme o Intercept.
Entre as comunicações vazadas estão referências a vários casos da Lava Jato. Entre eles está o do tríplex do Guarujá, que teria, segundo a denúncia feita pelo MPF, dado à Lula pela construtora OAS (leia mais abaixo). Nos extratos também é possível identificar as reações de outros procuradores a ações, como na soltura de presos pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Outro caso na mesma situação é relativo ao pedido de entrevista feito pelo jornal Folha de S.Paulo para entrevistar Lula. Pelas conversas, é possível identificar o desagrado dos procuradores quando da decisão do STF de autorizar a realização da mesma.
“Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo [colunista da Folha de S.Paulo], pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…”, teria dito a procuradora Laura Tessler, em um grupo de membros do MPF no Telegram. “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”, respondeu a procuradora Isabel Groba no mesmo chat.
O receio dos procuradores era que a entrevista, que viria ser concedida por Lula apenas quase seis meses depois do pleito, pudesse, de alguma forma, interferir no resultado da eleição. O candidato do PT já era, naquele momento, Fernando Haddad.
Denúncia do tríplex
As mensagens dão a entender sobre dúvidas de membros do MPF quanto à denúncia contra Lula no caso do tríplex de Guarujá (SP). A sentença, proferida em 1ª instância por Moro, acabou levando o petista à prisão.
Um dos pontos centrais das mensagens é a relação entre o apartamento e a Petrobrás. Conforme Intercept Brasil, há indicativo que, até aquele momento, não haveria nada que ligasse o imóvel com os esquema de corrupção na petrolífera estatal. A manifestação ocorreu quatro dias antes da apresentação de um PowerPoint apontando Lula como “chefe” da organização criminosa.
Dallagnol diz: “Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… [sic]”. “São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu o procurador.
“Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, escreveu Dallagnol em grupo de colegas, dias antes de apresentar a tela com o conteúdo.
No entanto, cerca de um dia depois, ele se manifesta que sobre uma matéria do jornal O Globo, de 2010. “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso [sic]”. Depois da apresentação, foi Moro quem se manifestou diretamente ao procurador. “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”, teria dito.
O que diz o Intercept Brasil
Em entrevista à Folha de S.Paulo, jornalista Glenn Greenwald, fundador e editor do Intercept Brasil, disse que o material foi obtido com uma fonte há cerca de um mês atrás. Seriam, além das mensagens de texto, áudios e vídeos.
Para o jornalista, é impossível forjar tantas conversas. “É um vazamento muito maior do que o do caso Snowden”, relatou ele, que foi responsável por revelar em 2013 as mensagens até então sigilosas do governo americano. “Nunca vi algo tão extenso”, afirmou.
Ele disse ao jornal que o material não tem nenhuma relação com a invasão ao celular de Moro, divulgada na terça-feira (4). “O arquivo que possuímos não tem nada a ver com esse episódio do hacker. Recebemos tudo semanas atrás”, disse o editor.
“Grave ataque”, diz força-tarefa
A força-tarefa da Lava Jato afirmou, em nota, que os procuradores foram “alvo do mais grave ataque à atividade do Ministério Público” brasileiro. No texto, a FT ressalta que também há prejuízos “à vida privada e à segurança de seus integrantes”. “A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado e se coaduna com o objetivo de obstar a continuidade da Operação, expondo a vida dos seus membros e famílias a riscos pessoais”, diz o texto.
Já o ministro Sergio Moro divulgou nota afirmando que não há “qualquer anormalidade ou direcionamento” da sua atuação como juiz. “Não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato”, disse o ex-magistrado.
Para delegado, vazamento é crime
Por meio do Twitter, o ex-chefe de Polícia Civil do Rio Grande do Sul e especialista em crimes virtuais, Emerson Wendt, disse que o vazamento configura crime. Wendt é co-autor do livro “Crimes Cibernéticos, Ameaças e Procedimentos de Investigação” (Brasport, 2017).
“Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça […] sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A pena é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa”, disse o Wendt, citando o artigo 10 da lei 9.296/96.
… sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A pena é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
O @MPF_PGR e @SF_Moro certamente encaminharão nesse sentido.— Delegado Emerson Wendt (@EmersonWendt) June 9, 2019