Estados não agiram a contento a massacres em prisões, diz relatório

Quase dois anos depois de massacres em prisões do Amazonas, Rio Grande do Norte e de Roraima, providências não foram tomadas a contento e famílias não foram reparadas. Essas são as conclusões de relatório lançado hoje (28) pelo Mecanismo Nacional de ...

Quase dois anos depois de massacres em prisões do Amazonas, Rio Grande do Norte e de Roraima, providências não foram tomadas a contento e famílias não foram reparadas. Essas são as conclusões de relatório lançado hoje (28) pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão que faz parte da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e que verifica as condições de unidades prisionais e a situação de pessoas encarceradas nesses locais.

Os massacres nos presídios dos três estados ocorreram entre outubro de 2016 e janeiro de 2017 e terminaram com a morte de 126 pessoas. Eles também teriam deixado, conforme o relatório, um “número expressivo de pessoas não localizadas e feridas”. Os principais locais foram os complexos penitenciários Anísio Jobim, em Manaus, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, e a Penitenciária de Nísia Floresta, em Alcaçuz (RN).

Os autores do relatório reconheceram medidas adotadas por autoridades estaduais e federais, mas classificaram-nas como “insuficientes” para garantir os direitos dos presos, familiares, trabalhadores do sistema penitenciário, combater as causas e evitar novos casos como aqueles de forma eficaz e sustentável. As providências tiveram caráter de repressão, mas não de reversão das crises, informou o documento.

Providências

No Amazonas, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público estadual aumentou o número de juízes e promotores responsáveis pela execução penal e o governo estadual estuda concurso para agentes penitenciários. Contudo, a contratação desses profissionais de forma terceirizada e o custo desse modelo, que consome cerca de 80% do orçamento da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, foram apontados como limitações.

No Rio Grande do Norte, foi feito um concurso para agentes penitenciários. O governo estadual também fez reformas em unidades prisionais e promoveu um “esforço de melhoria na organização das atividades do sistema prisional”. Porém, as metas assumidas ainda em 2015 não vêm sendo levadas a cabo, como programas de qualificação de servidores, investimento em sistemas de penas alternativas e iniciativas de monitoramento eletrônico.

Omissão permanente

Em Roraima, os autores verificaram na penitenciária de Monte Cristo uma situação permanente de omissões dos poderes públicos desde 2015, que piorou a partir do massacre de 2017. “Não há monitoramento dos espaços internos, serviços são oferecidos de forma episódica e o nível de hostilidade entre presos e agentes penitenciários é altíssimo, principalmente depois do desaparecimento de pessoas presas em abril de 2017”, informa o documento.

O texto informa que juízes, promotores e defensores não fazem visitas de fiscalização e pessoas presas estão “isoladas e vulneráveis ao arbítrio dos servidores”. Ao longo do ano, houve um imbróglio jurídico envolvendo recursos repassados pelo governo federal para reforma da Penitenciária de Monte Cristo e da construção de uma nova. A falta de solução levou os ministérios públicos Federal e Estadual a pedir intervenção federal no estado.

O número de detidos nas unidades analisadas quase dobrou, o que traz novas demandas pela administração da população carcerária. Nas visitas, foram constatadas práticas de humilhação e constrangimento de presos e intimidação de familiares.

Falta de política

Os autores do relatório dizem que embora o governo federal tenha repassado recursos aos estados na modalidade fundo a fundo, “nem esses estados, nem o próprio governo federal estão seguindo uma política estruturada para financiamento a partir de diagnóstico e planos de médio e longo prazo, não há racionalidade e real impacto na causa dos problemas”.

Outro problema apontado no documento foi o recrudescimento de políticas de repressão e de militarização das atividades da gestão prisional, “distanciando-se de boas práticas de gestão pública de natureza civil dirigidas pela perspectiva dos direitos humanos, da promoção da cidadania e da implementação de políticas e serviços para as pessoas que estão privadas de liberdade”. Um exemplo citado foi o uso da Força Nacional no Rio Grande do Norte, o que não impediu o agravamento da situação.

Da parte das autoridades, o relatório indicou uma dificuldade de reconhecer a responsabilidade pelos massacres e uma relativização da violência e dos danos causados nesses episódios. Isso se manifestou, exemplifica o texto, por meio de uma desconsideração dos detidos como pessoas merecedoras de proteção dos seus direitos. Em vez de assumir a responsabilidade, muitas autoridades preferiram colocar a “guerra de facções” como motivo central.

Recomendações

O relatório traz uma série de recomendações. Chama autoridades como tribunais, Ministério Público e defensorias para a responsabilidade de fiscalizar os sistemas prisionais analisados, cobra dos governos estaduais a melhoria da administração das unidades e o apoio aos familiares e defende que o governo federal, por meio do Departamento Penitenciário Nacional, invista no apoio aos egressos, na garantia de equipamentos de assistência, como espaços de saúde, educação e trabalho.