Na semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra, o governo dos Estados Unidos oficializou investimentos de US$ 500 mil (cerca de R$ 2 milhões) em obras de recuperação e conservação do sítio arqueológico do Cais do Valongo, na região portuária do Rio de Janeiro.
Uma parceria neste sentido foi assinada hoje (21) pela missão diplomática dos Estados Unidos no Brasil, por meio do consulado geral norte-americano no Rio de Janeiro, do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), da prefeitura da cidade e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O aporte dos US$ 500 mil para o desenvolvimento do projeto se dará com recursos do Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para a Preservação Cultural. Em um primeiro momento, serão realizadas obras de restauração, que deverão durar cerca de dois anos, envolvendo o pavimento original de pedras do cais, de drenagem das águas da chuva e de reforço estrutural nas paredes, fundações e estrutura do sítio.
O objetivo é que as ruínas do cais, onde aportaram grande parte dos milhares de africanos escravizados trazidos para o país e para o continente, funcionem como um museu a céu aberto, preservando a sua estrutura e respeitando os valores artísticos e histórico do sítio.
Patrimônio Cultural
Considerado Patrimônio Cultural Mundial da Unesco, em 2017, por ser reconhecido como o maior porto de africanos escravizados da América e o único vestígio material do desembarque de cerca de 1 milhão de africanos escravizados no continente, o Cais do Valongo foi recentemente tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do governo do estado do Rio de Janeiro (Inpeac).
Essa será a primeira grande intervenção desde a obtenção do título concedido pela Unesco. Ao falar da iniciativa, o cônsul-geral dos Estados Unidos no Rio, Scott Hamilton, ressaltou a necessidade de que o patrocínio seja compreendido dentro da perspectiva de mais de 20 anos de cooperação bilateral entre os EUA e o Brasil, “para a promoção da igualdade étnica e racial e de valorização da herança afrodescendente compartilhada”.
“O projeto contribui para manter para sempre viva a memória da escravidão. E preservação desta memória é fundamental para que esta tragédia não venha a se repetir em nenhum outro lugar do mundo”, disse Scott.
“Se por um lado não se pode negar os diversos avanços e conquistas obtidos pelas políticas de inclusão, é também indiscutível que ainda há muito trabalho a ser feito para que os dois países, as duas maiores democracias multirraciais do hemisfério ocidental venham a ser considerada como sociedades inclusivas no sentido ampla da palavra”.
O projeto
Para o diretor-presidente do IBG, Ricardo Piquet, o projeto é mais um passo muito importante para que se possa construir uma nova história no local. “Trata-se de uma ação básica para consolidar toda a ação técnica como base para a consolidação das ruínas e de todas as ações que virão a partir deste acordo”.
Os trabalhos que levarão à implementação das ações de restauração e conservação do Caís do Valongo é resultado de um projeto desenvolvido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, orientado pelo Iphan e contratado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (CDURP) e a sua implementação terá início já no próximo mês.
Para a superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, Mônica da Costa, o desenvolvimento do projeto de conservação do Caís do Valongo resgata um dos marcos da história mundial. “A valorização do sítio arqueológico do Caís do Valongo, considerado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade e recentemente tombado pelo governo do estado, nos permitirá cumprir junto com a prefeitura mais uma etapa de preservação do local”.
“A iniciativa resgata um marco da história que marcou uma passagem brutal da humanidade e que não deve ser esquecida exatamente para que não seja repetida”.
Marco de Resistência
Para a superintendente do Iphan, “mais do que um local de sofrimento e repressão, o Cais do Valongo é um marco de resistência e de luta”. Para Mônica da Costa, a cultura afrodescendente que aqui chegou foi fundamental para a pluralidade da cultura brasileira. “Que este resgate seja fundamental para a formação de inúmeras outras parcerias, pois ainda há muito que se fazer para que haja um mínimo de retratação. O que nós preservamos é a vida e, no caso do Cais do Valongo, não só a vida mas a liberdade que deve estar presente sempre e em qualquer lugar”.
Localizado na praça do antigo Jornal do Comércio, no centro do Rio, o Sítio Arqueológico Cais do Valongo faz parte da antiga área portuária e foi construído para o desembarque de africanos escravizados trazidos para o continente sul-americano a partir de 1811.
Formado por várias camadas arqueológicas, sendo a mais baixa composta do calçamento no estilo pé de moleque, uma das características do Cais. Recorte físico mais importante da chegada de escravos africanos no continente americano por lá passaram cerca de 1 milhão de africanos trazidos para a América do Sul.